Miriam passava distraída os dedos entre as mechas louras de Clarisse em seu colo, enquanto esta acariciava uma fazenda de seda anil com que acabara de ser presenteada pela namorada. Ambas estavam felizes, de uma felicidade tranqüila e simples, quase invejável por quem quer que as visse assim unidas. E sua conversa nesse instante, pode-se dizer, que refletia exatamente esse estado de espírito.
_ Ai, Mih, é lindíssima, não precisava!...
_ Pára com isso, Clarinha... - e falava meio séria, meio sorrindo - A minha mãe vive me trazendo metros e metros das idas dela à China, você sabe... Ela agora é cônsul do Brasil por lá...
_ Sua mãe viaja muito, Mih. Parece meu pai...
_ Ele está aqui no Rio agora, não?
_ Sim sim, de férias...
_ A minha mãe também...
_ Você está pensando o mesmo que eu, Cla?!...
Clarisse não pôde deixar de esboçar um sorriso. Fazia uma semana que ambas haviam assumido oficialmente o relacionamento na Faculdade, a despeito dos olhares tortos de alguns desavisados que chegavam ao campus pensando estar ainda no século passado. Miriam, com vinte e seis, era apenas um ano e um mês mais nova, e tinha os mesmos olhos verdes que brilhavam agora. E a conversa prosseguia, mudando para um tom mais aflitivo, porém alegre ainda:
_ Miriam, eu amo você. Lá em casa já passei pelos piores momentos da minha vida para que meu pai me aceitasse como sou... - pausou, e fitou aqueles olhos para prosseguir - A questão é: o pior já passou... Agora que somos adultas, eles... Estão mais calmos.
_ Acho que concordo com você...
_ Meu pai até perguntou de você lá em casa.
_ Nossa, Cla, eu ia falar o mesmo da minha mãe, mas achei que você fosse ficar com vergonha!
Riram, invadidas por um oceano pacífico de felicidade plena.
_ Então, o que estamos esperando para oficializar isso à moda antiga?, perguntou Clarisse. Ao que Miriam respondeu, entre séria e brincalhona:
_ Vou marcar um jantar lá em casa essa sexta...
_ Oba!...
_ Leva seu pai, tá?!
_ Sim, sim. Ele vai adorar te conhecer.
_ Vai dar tudo certo, né?
_ Tão claro quanto sou Clarisse.
Agora era esperar.
O que elas não esperavam era por aquele olhar do pai de uma se cruzando com o da mãe da outra na sala, numa sexta-feira à noite, na sala de Miriam em Ipanema. Aquele olhar que congelou os movimentos de ambos, deixando as namoradas confusas entre si e gritando feito loucas para ver se recuperavam a atenção daqueles que estavam ali para se conhecer, mas...
_ Acontece que já nos conhecemos, desde há muito, muito tempo... - explicou Mauro à filha Clarisse, lívido como o mármore da sala - Fomos obrigados a nos separar pelos superintendentes dos serviços secretos da ABI...
_ Mas isso foi há muito, muito tempo... - disse Regina, fitando o nada.
_ Será que dá para vocês nos explicarem o que está acontecendo, pelo amor de Deus?! - implorava Miriam, gritando entre lágrimas e uma expressão de raiva, só contrastada pelo desalento de Clarisse na poltrona.
Clarisse entendia tudo antes da amiga, quase sempre... Estava condicionada pelos exercícios de lógica que o pai lhe dava a raciocinar em meio a crises, e foi sua voz suave que explicou a Miriam, num murmúrio, o que se passava.
_ Nós duas somos... Irmãs, Mih. De sangue... - ao que Miriam caiu sentada no sofá em frente. Mauro e Regina ainda fitavam um ao outro, pasmos, separados somente pela mesa de jantar. - O Serviço Secreto possui uma birra entre suas duas maiores agências que não permite a seus dois agentes um relacionamento do tipo que os nossos... Pais tiveram há vinte e sete anos. Foi isso que meu pai quis dizer.
Silêncio.
As ondas batendo na praia iam vencendo a dureza das rochas em seu trabalho lento, mas incansável, de enfeitar a areia com as conchas ali afloravam após nascerem no fundo do oceano.
by bia de barros
A minha batata: quero a história de uma família que abriga outra em sua casa, de religiões diferentes, em meio a uma guerra religiosa, e vêem seus filhos únicos unidos pelo amor.