segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Esotérico

Batata da Bia: *um amor impossível que deu certo, porque tinha que dar certo, e porque todas as teorias de que ia dar errado tinham que falhar. Com trilha - oh, crueldade - de Coldplay.*






Esotérico

Quando começaram a escrever essa história sabiam que não ia dar em nada. Julieta nem gostava tanto assim de Romeu. Mas ela tinha esse carma chato. Essa coisa quente na garganta que faz com que tudo vire verso. Então ela continuou na dança tentando sentir aquela coisa quente na garganta.
Conheceram-se tarde da noite, numa roda de viola. Coisa besta besta de samba. Cantavam alto olhando estrelas. Ouvindo estrelas.
"Ora direis, ouvir estrelas?", Julieta tentava mesmo ser racional.
"Só quem ama é capaz, Julieta." ele respondia quebrando barreiras e mostrando quanto podia haver romantismo.
Mas a Julieta sabia que o buraco era mais em baixo e que aquele Romeu, se fosse seu, seria pela metade. E ele insistia na mesma noite que aquelas estrelas brilhavam pra ela enquanto cantavam na roda que as rosas não falam.
Julieta apaixonante. Mil coisas na cabeça. Quase uma bomba. Julieta explodia pelos cantos e Romeu ficava embassado.

Look at the stars,
Look how they shine for you,
And everything you do,
Yeah, they were all yellow




Julieta queria nada. Queria apenas ser a única coisa palpitante naquele coração. Tentava gritar que coração não serve de nada. Mas mesmo calejada e cansada de tanta paixão, mantinha a maldita bola na garganta. E Romeu insistia. Talvez achasse que um amor qualquer dissolvesse tudo. Mesmo que em sigilo.
Então mantiveram-se sigilosos e sem qualquer toque. Conversavam apenas. Ouviam estrelas e não dormiam. Se auto-enganavam de que aquela coisa toda crescente ia dar certo.
E a bola na garganta só crescia.
Romeu tentou escrever poemas.
Julieta riu-se inteira. Nem era possível alguém tão sem talento conseguir qualquer rima boa.

I came along,
I wrote a song for you,
And all the things you do,
And it was called Yellow
So then I took my turn,
Oh what a thing to have done,
And it was all Yellow

Jamais se tocavam e evitavam se cruzar na rua. Julieta dizia a Romeu que não poderia aguentar qualquer troca de olhar. A verdade era que não aguentaria olhar sem toque. Mas Romeu insistia.
Então se olharam próximos e penetrantes. Um mundo inteiro cabendo naquele espaço sem beijo que se mantinha.
E Romeu dizia que Julieta era toda linda. Romeu gostava de cada sorriso e ia se metendo na situação sem volta. Ela então avisava que envolvimento era coisa perigosa e acendia um alerta. Soava todos os alarmes. Gritava com ele.
Depois agradecia por tudo se manter em olhares e horários certos. Sabia que não poderia conter-se se houvesse qualquer coisa de cheiro.

Your skin
Oh yeah, your skin and bones,
Turn into something beautiful,
Do you know?
You know I love you so,
You know I love you so

Romeu e Julieta então se viam volta e meia - por vontade própria. E mesmo sabendo da condição de não envolvimento, continuavam se vendo e inclusive se tocando. Se tocavam com a boca mesmo. Com os dedos. Mordiam pontas de orelhas. Se machucavam forte, mas se mantinham sólidos.
Se ele tinha outra pessoa, Julieta mesmo não ia cair nem nada. Avisou que já tinha se metido em outras situações e se lembrava de tudo a cada toque de Romeu. Ia ficando com vontade de proximidade máxima. Queria até que ele a ninasse vez ou outra.
Mas Romeu insistia.
Então houve beijo.

I swam across,
I jumped across for you,
Oh what a thing to do
'Cos you were all yellow,

Julieta então precisava mais e mais de contato. Precisava muito de língua. Cada dia que passava, ela queria carne. E Romeu se dividia sem saber multiplicar. A bola de fogo continuava crescendo.
Estabeleceram um trato dos dias em que não poderiam se ligar.
E Julieta ficou se danando, queimando a pele, sentindo falta. Foi ficando inteira buraco e fogo.
Mas ele continuava insistindo e continuava encantado.
E ela disse não.

I drew a line,
I drew a line for you,
Oh what a thing to do,
And it was all yellow


A falta mesmo, Julieta não queria. Nem três horas ela pode se aguentar sem Romeu. Ligou e disse que queria tudo. E ele mesmo nunca disse não.
Romeu era desses que acreditava ser imoral dizer não a uma mulher. Então ele acumulava Julieta e outra, munido só de paixão.
Tentaram laços de amizade, inclusive. Mas a pele não deixava.
Então olharam estrelas por mais alguns dias. Se mantiveram juntos e conversaram sobre o mundo todo.
Foram ficando encantados. Encantados com tudo. Ele dizia que não adiantava nada ela o abandonar, por que mistério sempre há de pintar por aí.
Até que nem tanto esotérico assim.
Romeu não largou nada.
Julieta pisou no orgulho.
Assim é que se faz final feliz.

Minha Batata: Uma comédia romântica padrão: Mulher controladora, neurótica, mais interessante do que a maioria e bastante brava. Um homem pior ainda. Tudo dando certo no final.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Obviedades

Batata da Darshany: a história e a decisão de uma garota que namora há 5 anos, mas fará intercâmbio de 1 ano na Austrália. Trilha sonora de Alanis Morissette, em minha homenagem.



A cena mais clichê de despedida no aeroporto, com lágrimas que secam no vôo para o outro lado do mundo somente porque o sono lhes roubou, terminava ali, no destino final, com o primeiro sorriso involuntário.

Marie nem se lembrava mais que a capital australiana tinha esse nome gracioso, remetendo a um latido duvidoso. Entretanto foi esse, dentre todas as outras infinitas alternativas possíveis, o primeiro pensamento que lhe ocorreu ao chegar naquele que seria seu país hospedeiro pelos próximos doze meses. Claro que não veio sozinho. Os olhos, o cheiro, o cabelo que lhe seguiam por todos os lados, que não lhe deixavam, estavam ali, sorrindo da sua descoberta da roda num letreiro de aeroporto.

Entrou no táxi, e lá estava ele outra vez, na caixa de som, sussurrando "We'll fast forward till a few years later...". Como se doze meses passassem rápido para eles, que se apaixonaram em menos de doze segundos, numa cafeteria. "Destino, senhorita?" Ah, senhor taxista, em direção ao Inferno na Terra, por favor, com todos os anjos com um sorriso igual ao dele, com todas as roupas dele desfilando na janela, com todas as músicas de Alanis dessa rádio australiana... E as lágrimas voltando outra vez. Ao inferno tudo isso; pelo atalho, por favor.

Agora Marie olha aquele ceuzinho de casa com janelinhas lilases e rosas no jardim, seu novo Doce Lar, com família reunida na hora do jantar, e lhe falta o chão. Não como se um buraco se abrisse na terra e a engolisse, um terremoto brusco lhe sacudisse ou um meteoro sumisse com o planeta. Era algo sutil, o sussurro dele, aquele último pedido, que a brisa trouxe. Sutil como um trovão, desnorteador. Por que para ele parecia tão fácil esperar? "You don't seem too minded..."

Volta a cena clichê do aeroporto, e agora ela vê em suas costas, como se fosse uma terceira pessoa, que ele não chorou. Depois de sussurar em seu ouvido que, apesar de para amigos e família e todos os mortais eles terem dado um tempo, ele a esperaria; depois de pedir segredo dessa promessa que lhe fazia, ele sorriu de alívio...

"Aquele filho da mãe..." Pensava, enquanto mentalmente agradecia à canção que lhe dava palavras que ela de outra forma não teria para expressar o que sente. ("What part of our history is reinvented, and under rug swept?")

Marie só pensou em um último pedido - ou ordem, na verdade, àquele que por cinco anos lhe jurou amor eterno, antes de entrar no fogo do inferno que lhe daria a prova definitiva de que aquele amor já não deveria mais existir dentro de um coração que aos poucos, se libertaria:

"Fade out".

Em seguida, lavou as mãos e foi jantar em paz com sua nova vida. ("What with this distance it seems so obvious?")

by biadebarros*

*Minha batata
: um amor impossível que deu certo, porque tinha que dar certo, e porque todas as teorias de que ia dar errado tinham que falhar. Com trilha - oh, crueldade - de Coldplay.*

sábado, 22 de agosto de 2009

Meu erro

Batata de Aline Dias: Continuar a história anterior ("Um Erro"), sem muitos clichês. (Recomenda-se ler, antes dessa, a história anterior, obviamente).

E a história é...
Meu erro.



Eu não estou solteira, ficou repetindo Pedro em tom irônico enquanto ia para casa. Só ofereci um café! Depois eu que sou pretensioso, ele continuou resmungando. Chegou em casa e tomou o café sozinho, sentado na poltrona marrom da sala de estar e mudando de canal a cada dois minutos. Havia tempo não chamava alguém para tomar um café, havia tempo que não saía com qualquer pessoa. O ato de chamar Bruna foi tão espontâneo que ele realmente achou que ela fosse aceitar.

No dia seguinte, Pedro foi para a redação do jornal decidido a esquecer a história do diário e, principalmente, Bruna. Afinal, ela era comprometida e jogara isso em sua cara sem ele ter tentado absolutamente nada. Mas a sua decisão não durou mais do que a manhã, pois logo pensou na descrição que lera no diário... sua descrição. Bruna havia se interessado por ele, a princípio. Ela o tinha visto primeiro, e mesmo que não estivesse solteira, escreveu sobre ele no diário dela. E isso devia significar alguma coisa. Ela queria comer meus olhos castanhos, pensou e sorriu. Não se daria por vencido. No fim da tarde, ligou para Bruna.

– O que você ainda quer? – ela atendeu já sabendo quem era.
– Esqueci de te devolver a página do diário. Você não quer de volta?
– Pra quê? Você já publicou no jornal, todo mundo já leu. Eu não faço questão.
– Você quis comer meus olhos – Pedrou falou, seriamente.
– O qu... Mas do que é que você está falando?!? – Bruna já estava gritando ao telefone.
– Você quis comer meus olhos, desde a primeira vez. E agora que eu notei você, me diz que não está solteira. Mas, sinceramente, o que eu li naquele diário me parecia um quase término de relacionamento. E que, se você não estivesse quase terminando com esse cara, não teria reparado em mim, em meus olhos, e muito menos teria escrito sobre isso no seu diário.

Pedro calou-se depois disso e o telefone ficou mudo por algum tempo.

– Você ainda está aí? – perguntou finalmente, depois de quase um minuto.
– Estou – Bruna respondeu, dessa vez com um tom diferente na voz. Um tom que ele ainda não havia conhecido.
– Me diz alguma coisa.
– Você quer que eu diga o quê, depois disso tudo? Não consigo.
– Toma café comigo? – ele insistiu.
– Sim.
– Daqui duas horas, na cafeteria na rua atrás do sebo. – ele respondeu, sem acreditar. E desligou.

Duas horas depois ele estava sentado na mesa do canto, esperando Bruna. Ela chegou apenas cinco minutos atrasada, e dessa vez seu cabelo estava arrumado e ela sorria. Ela sentou-se de frente para Pedro, e eles fizeram os pedidos.

– Me conte sua história. Qualquer coisa sobre você.

E Bruna falou, contou tudo. Sobre o namorado que estava na Europa, sobre o amor quase no fim e sobre o resto de esperança que ela ainda tinha.

– Eu posso acabar com isso – Pedro disse, e a levou para sua casa.

Provavelmente, Pedro estava se apaixonando. Passaram o resto na noite juntos em sua casa, rindo, contando sobre suas vidas, percebendo o quanto tinham em comum. Achariam clichê se ele escrevesse uma história contando sobre isso.

Dormiram juntos. Porém, quando o despertador tocou às sete da manhã, ele estava sozinho novamente na cama, em meio aos lençóis embolados que exalavam o perfume de Bruna. Ele não esperava isso, mas não se importou. Ligaria para ela mais tarde e marcariam de se ver. Foi para o trabalho, com um sorriso estampado no rosto, como há muito tempo não fazia. Durante o expediente, recebeu um envelope, sem remetente, apenas com o nome Pedro na frente. Abriu, e havia um papel pequeno dentro. Exatamente igual à página solta do diário de Bruna. Ele leu, lentamente e com o coração acelerado:

É bom a gente acabar logo com isso. Se não isso acaba com a gente. Aqueles sorrisos que um dia foram tão freqüentes estão voltando da Europa e minhas lágrimas em breve secarão.
Não sentirei saudades de mim sem você. Nem do seu riso besta.
O resto você já sabe.


Pedro leu três vezes o que Bruna havia escrito. Logo depois, disse em voz baixa: Vadia.
Dois anos depois, publicou um livro, com o título: "Meu erro e o maldito romantismo".


Por Darshany L.

Minha batata: a história e a decisão de uma garota que namora há 5 anos, mas fará intercâmbio de 1 ano na Austrália. Trilha sonora de Alanis Morissette, em minha homenagem.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Um erro

Batata da Bia: uma página solta de um diário que alguém achou, e decidiu publicar no jornal.

anna nalick - breathe

É bom a gente acabar logo com isso. Se não isso acaba com a gente. Aqueles sorrisos que um dia foram tão freqüentes estão viajando para a Europa e nos deixaram com as caras inchadas de choro.
Ando sentindo saudades de mim sem você. Principalmente de riso besta. É que eu queria mesmo alguém que lesse Baudelaire na minha cabeceira e contasse histórias de outros mundos. E eu queria muito que você entendesse.
Por que outro dia eu vi um homem na livraria e eu tinha certeza que não era você o certo. Que o bonito era alguém olhar pra mim como ele para aquele livro. O interessante é a sede que eu e esse homem teríamos de beber um ao outro. Mas foi só aquela troca de olhar às cinco da tarde, sem nenhuma conversa e o reflexo da blusa vermelha dele nas minhas bochechas. Depois um sorriso pra enfeitar os óculos.
E olhos castanhos que eu quis comer.
Eu não quereria comer ninguém se estivéssemos bem. Mas eu não sei se vou conseguir contar isso pra você longe dessas linhas de diário.
Por que aquele homem com a barba mal-feita não vai todos os dias ao sebo da Praça Central, mas eu volto procurando-o como se pudesse gostar. Eu não sei nada além do livro que ele comprou dia 5 de maio: baude-

Foi na porta do sebo que Pedro achou aquela folha pequena meio pisoteada e cheia de garranchos. Normalmente, deixaria ali. Mas era letra de mulher. Dava uma boa história. Cinco de maio não fazia tanto tempo e todos querem vender romance quando está perto do dia dos namorados.
Levou para casa. Scaniou. No trabalho, conversou com o editor. Quem sabe uma série: procura-se a autora?
O chefe disse que tinha muito mais cara de TV. Mas deixou Pedro botar a imagem das duas páginas, com Baudelaire cortado e tudo.
Indo pra casa, voltou ao sebo da Praça Central. Foi simpático com o vendedor. Folheou alguns livros. Ficou olhando pra ver se havia alguma mulher que tivesse cara de quem escreve diários. Mas nem mulher, nem diários. Ele estava sozinho.
No dia seguinte, não se falava em outra coisa no sebo. Muita gente apareceu pra ver quem era a moça que não terminava o namoro e tinha se apaixonado à primeira vista. Na redação, Pedro ficou encarregado de encontrá-la.
Ficou plantado no sebo perguntando quem podia ser. O gerente passou o cadastro de algumas clientes mais freqüentes depois de muita insistência. De Adriana a Zulmira, Pedro ligou para uma por uma. Umas nem faziam idéia do que ele estava falando. Outras desejavam boa sorte. Algumas xingavam. E nada.
Algumas não atenderam, mas ele insistiu.
E nada.
Quase 5 da tarde, ligaram pra ele.
- Pedro, tem uma Bruna querendo falar com você.
- Pode passar. Alô?
- Oi. Deixaram recado com a minha mãe. De que se trata?
- Boa tarde, Bruna.
- Boa tarde. Você é o tal do Pedro?
- Sim. Você costuma ir ao sebo da Praça Central?
- Volta e meia.
- Lê Baudelaire?
- Gosto bastante.
- Escreve diários?
- É Pedro de onde?
- D’O Dia.
- E o que você tem com o meu diário?
- Publicamos uma página de um diário de alguém que freqüenta esse sebo. Queríamos achar a autora. Fala sobre Baudelaire e fim de namoro. É seu?
- O que?
- Me desculpe, o incômodo. Apenas preciso achar a autora.
- Quem deixou você publicar?
- O que você fez dia cinco de maio?
- Não é da sua conta. Eu não quero ninguém gritando pro mundo as páginas do meu diário.
- Podemos conversar pessoalmente?
- Claro que não!
- No sebo. Às cinco da tarde.
- Pretensioso você de achar que eu vou. Ainda mais correndo.
- Por favor.
- O que você quer?
- Saber quem é você.
- Por que?
- Por que eu gosto de vermelho, não faço bem a barba, gosto de Baudelaire e tenho olhos castanhos.
- ...
- Te espero lá.
- E se eu for feia?
- Estou esperando.

E foram. Ele suado com raiva de si por tê-la feito acreditar que era ele o cara do diário. Ela ansiosa. O sebo cheio.
Ele ficou na porta com cara de jornalista e uma placa feita com folha de caderno com seu nome escrito. Ela chegou descabelada e nem viu placa nenhuma. Entrou e saiu e entrou de novo. E saiu de novo. Então ficou olhando pra cima procurando sei-lá-o-que e ele botou a mão no ombro dela.
- Está tudo bem, moça?
- Eu estou esperando um Pedro.
- Bruna?
- Oi.
Então ela olhou pra ele e ele pra ela. E ele tinha sim olhos castanhos e usava óculos como fora descrito. E ela tinha uma boca vermelha e uns olhos lustrosos. Não falaram nada.
Era ele que Bruna tinha visto no outro dia. E ele lembrava dela. Mas como é que ele ia se reconhecer num pedaço avulso de diário?
- Quer um café, Bruna?
- Eu não estou solteira. – Ela disse e foi embora

Minha batata: Continuar essa história, sem muitos clichês.

sábado, 20 de junho de 2009

Un Portrait

Minha batata: Algo inusitado na vida de um autor de retratos femininos (Homenagem à Fotografia, após a homenagem ao Cinema).

_ No mais, tudo bem... - ele falou, divertindo-se com o sorriso embaraçado da freira, ali no pé da escada onde dormia. Parecia havê-la enrubescido à altura da conversa em que mencionou sua estrela perdida...
Enquanto a irmã se afastava, maldizendo a pressa, o crepúsculo, a chuva e todas essas desculpas que não desculpam nada, ele pensava que talvez o único motivo real de embaraço para um homem da sua idade fosse mesmo perder-se de amores por uma fotografia.

Stela fora uma cliente deveras razoável e perspicaz: não lhe incomodava com telefonemas importunos, nem jamais comparecia ao atelier fora da hora marcada, sempre de chofre. Talvez fosse triste com a frieza profissional de Julien por trás das lentes das câmaras, limpas uma a uma, com desvelo digno de um bispo. Talvez nem se soubesse feliz feito a plebeia a quem certo rei da Pérsia ousou oferecer até a metade de seu reino em homenagem à sua beleza. A beleza... Seria de fato um pecado tão mortal, a ponto de ser origem de todos os males do Éden? Seria tão ruim persegui-la até os confins do mundo, dormindo no ninho que Deus provesse ('Deus provê, Deus proverá'), a ponto de toda a ruindade não ir embora da vida nem no seu jazigo final?
Caro Johnny Boy,
Agradeço imenso tua hospitalidade aqui debaixo da
escadaria do bar, porém me vou. Não posso mais de
saudades do Brasil: essa busca insana já consumiu
muito de mim. Porém, não me esquecerei da tua in-
cansável busca pela onda perfeita, que me inspira
todos os dias. Na bagagem, levo somente uma foto_
_aquela foto, que ela me deixou quando partiu - e
um nome na memória. Talvez eu volte, mas não conte
com isso. Meu destino é incerto, mas vou seguir a
estrela dos meus sonhos. Pergunte a ela, e saberás
para onde guiarei meus passos...
Até o fim do mundo em busca da beleza perfeita.
Best regards,
J.
Miami Beach, Sexta de Carnaval - ano de 2009
by biadebarros.*
Minha batata: uma página solta de um diário que alguém achou, e decidiu publicar no jornal.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Batata da @Alineocdias: Escrever um conto erótico com citações claras a alguma música, frases clássicas de cinema, vinho e sorrisos.

-"I want to give her everything. And I want to take everything from her..."
[Louis, from Original Sin]

Trilha Sonora: Dance With Me, by Nouvelle Vague.


A irracionalidade de Eros [Por um cinéfilo]


Sabe o que mais faz sucesso numa cena de sexo? Humilhação. Você vê isso nos filmes - em Closer e em Original Sin, então, demasiado. Anna e Bonny sentem que perdem em vontade própria quando cedem, mas ganham muito em satisfação. O paradoxo de sentir febre enquanto se treme de frio em mãos fortes. A definição de Eros é bondage. Estranho que no platonismo se queria tanto ver o outro num vôo livre... O sexo é bondage. Leva tempo para soltar as amarras da cama, após o fim da noite, o fim de tudo, que pode acabar mais cedo, inclusive.
Numa noite fria, perfeita para o culto da solidão, os depressivos sentem que estão perdidos sem companhia, mas lha buscam para perderem-se ainda mais. A cada minuto a dor cresce no martírio, e é a dor que satisfaz a um legítimo cavaleiro medieval. Ele despe a sua dama com delicadeza, cada toque suave é então potencializado pela espera da violência que virá em seguida: cada arranhão profundo nas costas, mordida nos braços, peitos e bocas, enrijece as coxas que só cedem no sopro final.

A busca tem de ser complementar. Metade goza na humilhação, metade quer controlar tudo, inclusive o futuro. Soltam as amarras no final, mas antes da satisfação total, para que possam ir embora e voltar sempre, querendo bis... Ao fim da cena, cada metade se cobre com suas vestes com vergonha, uma segue para oeste, a outra para o sol nascente.
Quem humilhou sai ostentando seu poder, sem dizer adeus, para buscar uma garrafa de vinho, que ajuda a trazer de volta o sono roubado. Toda espécie de palavra doce procede só de quem foi mais humilhado; da boca que escarrou saem apenas sorrisos silenciosos após o gozo.
O filme acaba do modo que começou: a busca unilateral pela solidão, um jeito nobre de dizer que a batalha pela satisfação sexual acabou, sem vencedores, nem perdedores. O amor Eros é contratual, momentâneo e só pode surgir de um estado passageiro de insanidade mental. As pessoas que se entregam assim durante o sexo não suportariam uma vida miserável; seus pensamentos mais ambiciosos na cama, no entanto, passam pela humilhação absoluta. São loucos, esses amantes ficcionais; não sei porque essa insistência em saber o personagem por detrás da máscara.
[Larry: There's a girl out there who calls herself Venus, what's her real name? Alice: Pluto.] - "Closer"(2004) -
O que eles querem é sexo.
Ponto final.


*by biadebarros.

Minha batata:
Algo inusitado na vida de um autor de retratos femininos (Homenagem à Fotografia, após a homenagem ao Cinema).

domingo, 3 de maio de 2009

Batata recuperada

Recaptulando:

Batata escrota da Aline: responder todos os memes do Batata.


PS: biadebarros está com a vida muito corrida. Mas sendo apenas a quinta parte do MSBatata, repassa a batata da Aline para os demais quintos desse tubérculo comestível. Assim, ao final, teríamos cerca de cinco memes por aqui... Got it, ladies? Boa sorte, beijos! ^.~


comunicado!

Venho por meio deste agradecer formalmente a todas as pessoas que enviaram memes ao Batata Quente. Gostaríamos de dizer que todas as batatas se sentem muito lisonjeadas pela lembrança e pelo presente, mas que não tempos tempo de continuar a brincadeira.

Ainda assim, não somos crianças chatas e temos muito respeito pela lembrança de todos e adoramos receber memes.

Cordiais saudações e agradecimentos,
Aline
Bia
Camila
Darshany
Flora

Eim, se alguém conhecer alguém cujo nome começar com E e que goste de escrever, ia ser mó legal pra manter a ordem alfabética do blog.


Próxima batata: Escrever um conto erótico com citações claras a alguma música, frases clássicas de cinema, vinho e sorrisos.


sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Memes 1/5 *-*

Batata escrota da Aline: responder todos os memes do Batata.

Sou uma das pessoas que mais adora ambigüidades e sei que a Aline pode não gostar, porém, não tendo especificado em sua batata escrotinha se queria os memes que havíamos recebido em conjunto - não consta nenhum - ou em partes - cada uma de nosotras -, 'fiz como vai':

1° Meme
Passado pela Yaas à nossa querida Darshany, em 25/12/2008.
Regras:
1- Agarrar o livro mais próximo
2- Abrir na página 161;
3- Procurar a quinta frase completa;
4- Colocar a frase no blog;
5- Não escolher a melhor frase, nem o melhor livro!
Utilizar mesmo o livro que estiver mais próximo;
6- Passar para cinco pessoas!
Livro: As Aventuras de Pinóquio - Carlo Collodi
5ª frase completa da pág. 161:
«E assim falando, Pinóquio e Gepeto seguiram tranqüilamente pelo seu caminho; até que, depois de mais uns cem passos, viram no fundo de uma trilha, no meio dos campos, uma bonita cabana toda de palha, e com o teto coberto de telhas.»
Repasso o meme para todos que estão se sentindo eternascrianças hoje.

PS: biadebarros está com a vida muito corrida. Mas sendo apenas a quinta parte do MSBatata, repassa a batata da Aline para os demais quintos desse tubérculo comestível. Assim, ao final, teríamos cerca de cinco memes por aqui... Got it, ladies? Boa sorte, beijos! ^.~

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Vinte anos

Batata da Darsh: Um amor de (pré)adolescência que ressurge aos 20 anos.

Sandy e Júnior - Quando você passa



Vinte anos

“- Olha. Meu tio é policial. Se você continuar me batendo eu vou pedir pra ele te prender.
- Grande coisa! O meu pai é advogado e eu vou mandar ele prender você continuar implicando comigo.
- Você é uma boba mesmo!
- Você que é bobo e chato!
- Horrorosa!
- Eu não quero mais namorar com você!
- Nem eu!
- NUNCA MAIS APARECE NA CASA DA MINHA AVÓ PRA ROUBAR FRUTA POR QUE EU NÃO QUERO TE VER!
- A minha mãe compra fruta pra mim.”


O namoro dos dois terminou assim, quando eles tinham cinco anos de idade. Amanda namorava Tiago desde os quatro, mas eles só se viam quando ela ia na casa da avó, que ficava no litoral. O menino loirinho morava na casa de baixo e era uma graça. Os dois se implicavam e andavam de mãos dadas.
Ficaram brigados pelo menos até os oito anos. Depois se juntaram para incomodar todos os vizinhos. Aos doze, descobriram que os dois tinham mais em comum do que o fato de serem ambos adolescentes esquisitos. Trocavam olhares e lembravam do namoro besta de criança. Se achavam muito adultos e acabaram trocando um beijo em baixo de uma árvore. Era a coisa mais esquisita e gostosa do mundo essa coisa de beijo sem mãe saber. Causava sorrisos e timidez. Mantiveram-se beijando-se por todo o mês das férias dela.
Quando Amanda voltou ao litoral, Tiago já não morava na casa de baixo nem roubava frutas. Foi sua primeira decepção, com doze anos e meio – quase treze.
Amanda começou a faculdade com dezoito anos e teve seu primeiro namoro realmente sério nesta mesma época. Com vinte, estava solteira de novo.
Foi numa dessas calouradas que ela viu de relance uma pessoa loira que parecia conhecida. Trocaram olhares e a cerveja gratuita os aproximou.
- Amanda, prazer.
- Tiago.
- Tiago de onde?
- Amanda!
- Tiago!
Abraços e risadas, mais conversa do que tudo. A vida posta em dia, relatada com fidelidade e muitas omissões de ambas as partes. Os dentes de ambos não se continham na boca. Encontrar o amor de infância em uma festa do curso não é coisa de todos os dias. Sorrisos!
Nenhum beijo.
Trocaram contatos e se conversaram por uns meses. Foi quando ela foi para a casa da avó e os dois marcaram de se ver num bar perto da praia.
Muitas risadas e piadas bestas. Ambos tinham se tornado bonitos e interessantes (mais do que o que podia ser previsto por ambos).
Sentaram-se à beira-mar com dois cocos e comentaram as estrelas pra evitar os olhos. Depois concordaram que dos antigos amigos, tanto ela era a mais bonita quanto ele era o mais bonito.
- Mas olha, a Júlia sempre foi bacana.
- Amanda, a Júlia sempre foi uma besta. Bestas não me atraem.
- Eu era o que?
- Sei lá. Eu era o que? – ele perguntou e ela olhou pra baixo meio sem saber o que responder, meio sem querer falar o que queria.
- A gente podia se beijar agora. – ele disse em tom de piada.
- É. E aí a gente teria coisas divertidas pra fazer, afinal de contas, aqui nunca tem nada pra fazer.
- Bom. A gente também pode jogar videogame.
- Eu não tenho.
- Quer jogar lá em casa?
- Até parece que eu vou na sua casa, Tiago.
- Qual é! Eu não vou te atacar. A minha mãe está lá.
- Não. Acho melhor a gente se pegar mesmo. Eu sou péssima jogando videogame.
- Tudo bem.
- Mas se bem que Mário eu gosto! – Amanda falou num tom mais alto pra tentar não ficar sem graça.
- O legal é que nós dois estamos brincando mas sabemos exatamente onde isso vai dar.
- Eu não sei não.
- Tem certeza? – ele disse, sorrindo e se aproximando devagar do rosto dela até ficar quase colado.
A respiração dela ficou forte e ele ainda apenas sorria a menos de um palmo da boca dela. Amanda – sempre falante – nem sabia o que dizer. Ficaram os dois mudos e ele terminou de se aproximar.
Se beijaram à beira mar sob um céu muito bordado de estrelas.
Então foi mais um mês de beijos, mãos, bocas e pernas.
Por Aline Dias


Minha batata escrota: responder todos os memes do Batata.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Vienna.

Batata de Aline: continuar essa história, com os mesmos personagens e uma música-tema que tenha vindo de filme de comédia romântica.

E a história é...

... Vienna.

(Música: Billy Joel - "Vienna", do filme De Repente 30)




Melina e Carlos voltaram a se ver. Não era como ela planejara, pois queria se fazer de difícil. Gostava de ser melodramática. Mas algo em Carlos a fazia ser tudo que não era. Naquela manhã, ao escrever o poema misterioso, pensou em sumir algumas semanas e depois aparecer no mesmo bar. Mas não conseguiu. Ela ligou no mesmo dia.

"Sentiu minha falta?", perguntou.
"Cada segundo", Carlos respondeu.

Melina não estava acostumada com isso, e foi só ele dizer aquilo que ela voltou para lá na mesma noite. E todas as outras noites. Carlos fazia um poema diferente para cada momento. Eles pareciam apaixonados. Ela nunca havia ficado tão de quatro por uma pessoa antes. Costumava ser a que quebrava corações, e no entanto ela estava correndo o risco de o seu próprio se quebrar. Mas já não pensava nas conseqüências, se entregou totalmente. Estava cansada de tentar evitar se apaixonar. Queria viver.

"Você vai ficar comigo pra sempre?", ela perguntou dois meses depois. Um silêncio de exatos 60 segundos se seguiu. Ela contou.

"Sim", ele respondeu, e lhe beijou a testa.

Melina sentiu alguma coisa desesperadora por dentro, mas não comentou. Acreditou no melhor, e se envolveu no abraço de Carlos até ele levantar da cama de lençóis cor de rosa.

"Preciso resolver algumas coisas, depois eu volto ok?"

"Ok".

Melina esperou a noite toda. O dia seguinte inteiro. E mais alguns. Ligava mais de dez vezes por dia, e nada. Resolveu ir até a casa de Carlos. Porque ele tinha feito isso? Prometeu que ficaria com ela para sempre. E agora havia sumido.

Quando abriu a porta, Melina quase desmaiou. O apartamento estava vazio. Ela percorreu todos os cômodos, tentando achar alguma pista, mas o vazio só se tornava maior, e ela sentiu sua cabeça rodar. Por um momento pensou que estivesse louca, e que havia sonhado os último meses. Talvez Carlos nunca tivesse existido. Essa era sua tentativa desesperada de sobreviver ao coração partido.

Foi quando chegou no banheiro, e não se sabe porquê, ela olhou atrás da porta. E lá estava.

Os poetas são melhores quando são apaixonados e não correspondidos. Os poemas só fazem sentido quando o sentimento é inteiramente singular, e eu não sei porquê, com você o sentimento não tem nem como contar. Te escrevo em prosa, porque os poemas já não são os mesmos, as rimas já não significam coisa alguma. Com você algumas coisas não fazem sentido. Mas saiba, sem você nada tem sentido. Nada. E o que é o nada para um poeta? A inspiração. Me desculpe. Precisei sair, precisei fugir, sumir. Viajei para escrever um livro. Primeiro e último. Único. Dê uma olhada ao seu redor. Vienna espera por nós.

E então Melina viu, em cima da bancada da pia, um envelope. Abriu, e dentro dele havia uma passagem só de ida para a Áustria, para o fim do ano.
Carlos havia sumido, mas queria ser encontrado.

Por Darshany L.


Minha batata: um amor de (pré)adolescência que ressurge aos 20 anos.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Versos ao Vento

Batata da Bia: Poeta de rua conquista o coração de uma menina com suas rimas.




Não segurou. A fila no banheiro feminino era grande e Melina tinha pressa. Entrou no banheiro masculino mesmo e quando ensaiava se equilibrar para enquadrar o vaso sanitário, notou alguma coisa escrita na parede.

Foi como pedras jogadas no chão:
Barulhos e alguma coisa de brilho.
Depois passou e ficou por lá.
Não fez nada,
Nem cócegas, nem dor.
Não guiou o caminho
Nem voltou.
Fiquei inerte e ocupado apenas comigo
Foi mais uma que não tinha que ter sido
Melhor:
Ela foi sem ter sido.
Pedra e dor.


Engoliu seco. Alguma coisa naquele poema incomodava. Bateram na porta enquanto ela urinava. Tentou decorar o poema. Nem tinha tempo. Deu a descarga e saiu, incomodando os homens que esperavam na fila do banheiro. Nenhum gostou de ver mulher ali. Toda mulher demora mais tempo do que qualquer homem para utilizar o banheiro. Melina ainda tinha se distraído por lá.
As mesmas pessoas continuavam com os mesmos assuntos na mesa do bar. Pouco depois passou um sujeito esquisito vendendo livros seus. Melina contrariou todo mundo e quis folhear. Absolutamente tudo muito ruim.
Foi embora pra casa sozinha. Ficou olhando pros bancos e pros muros procurando outros versos. Viu muitos corações rabiscados. Adesivos, nomes, xingamentos, reivindicações, desenhos, declarações de amor. Nenhum poema.
Passou procurando no chão e nas árvores, mesmo sabendo que não ia encontrar nada.
Dormiu com aquilo na cabeça. Acordou atrasada e já nem lembrava. Pegou um ônibus pra ir trabalhar e reconheceu a caligrafia de um texto pequeno escrito num dos bancos.

Essa coisa de ligar não é comigo
Eu sou de vôo
Não sou de abrigo

Incomodou como o outro poema. Esse, inclusive, Melina achou muito ruim. Podia nem ser do mesmo autor, mas ela sabia que era homem e que tinha alguma coisa. Melina tinha certeza que conhecia aquilo.
De noite, o mesmo bar e os mesmos amigos. Um homem de preto entrou e se sentou na mesa ao lado. Melina já o tinha visto. Era muito alto, olhos castanhos e alguma aura de mistério na barba mal feita.
Ficou olhando. Ele tinha alguma coisa de peso e riso ao mesmo tempo. Alguém na mesa perguntou se ela o conhecia e Melina disse que não. O homem de preto se levantou e foi na direção do banheiro.
Melina foi atrás.
Ficou na fila do banheiro feminino pra disfarçar, mas ele no banheiro demorava como mulher. Ela continuava olhando quando ele saiu. Ele cumprimentou como se a conhecesse. Ela ficou sem graça. Sorriu.
Num outro dia, no mesmo bar, Melina bêbada voltou ao banheiro masculino. Outro poema na parede.

Quando essa menina olha
Parece que tudo brilha
Eu fico sem fazer nada
Pra não cair na armadilha

Melina bêbada viu um poema do lado do outro e achou que estavam com a mesma caligrafia. No dia seguinte, entretanto, não confiou em si mesma. Esqueceu-se dos poemas e dos olhares do homem de preto que ela tinha tido vontade de morder.
Entretanto, dois pontos depois de ela ter subido no seu ônibus habitual, entrou o cara da outra noite com os mesmos olhos castanhos e alguma coisa de charme. Ela não deixava de olhar. Ele pediu pra sentar ao seu lado.
Comentaram o calor daqueles dias e se mantiveram em silêncio. Melina tímida só podia pensar que a voz dele era muitíssimo bonita. Ele desceu antes dela. Ela reparou um poema na cadeira. O mesmo poema ruim do outro dia.
Pegou o mesmo ônibus pra voltar. O homem de preto já estava lá. Ele sorriu pra ela e ela sentou-se ao lado dele.
- Eu não queria ter que entrar nesse mérito desse jeito, mas você vem sempre por aqui? – ele perguntou com um sorriso sacana.
- Só quando trabalho. – ela respondeu.
- Onde?
- No centro.
- Com o que? – Ele perguntou e Melina nem ouviu. Tinha se distraído com um outro poema escrito no banco daquele mesmo ônibus.

Só não consigo agüentar o cheiro
Antes não tivesse sentido
Vou voltar pro apartamento
Permanecer sem partido
E guardar as minhas tralhas
Em cantos bem escondidos
Pra que ela não saiba
Que eu quero tudo
E nada tem sentido.

- Não é a primeira vez que leio algum poema escrito nessas cadeiras de ônibus. Aliás. É o segundo que pego escrito nessa mesma linha. Caligrafia parecida. Um pessimismo...
- Como é seu nome mesmo? – Perguntou o homem de preto.
- Melina.
- Carlos.
- Nome de poeta.
- Não se engane. – ele disse em tom de deboche.
- Não me engano. – ela retrucou, sorrindo.
– Mas o que tem a ver meu nome com os poemas?
- Nada.
- Eu mesmo nunca tinha notado.
- Tem um aqui. – ela apontou e Carlos leu.
- O que você acha?
- Não sei. Me incomoda. Aliás, incomodam. Peguei mais dois um pouco parecidos no banheiro de um bar que eu costumo freqüentar. Aliás, foi onde eu te vi.
- Você repara em coisas que ninguém repara.
- Nem tanto. Qualquer um que ficasse de costas pro vaso veria os poemas.
- Mas eles estavam no banheiro masculino!
- O que você está falando de mim, então? Eu reparo coisas que ninguém repara, mas você também leu.
- Não.
- Então não faz sentido você saber do que eu estou falando.
- Meu ponto. Até mais tarde. – ele desceu e ela ficou com cara de tacho.
Se aprontou muito bonita com vestido preto e salto alto. Foi a pé para o bar de sempre e nem avisou a ninguém. Se sentou sozinha. Acendeu um cigarro. Carlos chegou em dois minutos.
Nem pediu licença. Sentou-se com ela.
- Está muito bonita, Melina.
- Obrigada.
- Eu queria te mostrar uma coisa.
- Melhor não.
- Por que?
- Está com cara de confissão e eu não gosto de confissões, especialmente quando são feitas por desconhecidos.
- Você não é dura assim.
- Como é que você pode saber?
- O que te incomodou nesses poemas?
- São ruins.
- Só isso?
- São vários e eu acho que são da mesma pessoa.
- Só isso?
- A pessoa que escreve esses poemas tem medo de tudo. É isso que incomoda.
- Por que?
- O que te faz se interessar tanto por esse assunto? É você o autor dos poemas?
- Você disse que não gostava de confissões.
- É você o autor.
- Sou sim.
- Bom, Carlos. Eu acho que vou embora.
- Melina, eu acho que você devia ficar. Comigo.
Ela ficou parada olhando pra cara dele e procurando algum indício de poemas. Ficou procurando o pessimismo que tinha notado e o muro que devia ter em volta de um autor muito pouco misterioso. Ela queria alguma coisa diferente, não sabia muito bem o que. O que ela sabia é que aquele poeta medíocre que fugia o tempo todo de todas as paixões mexia com mais coisas nela do que ela mesma queria.
Por um momento, esqueceu que ele era alto e bonito. Esqueceu que tinha olhos castanhos ou que já tinha ido atrás dele. Na sua frente, Carlos parecia um papel em branco querendo ser escrito.
Ele tocou as pontas dos dedos no antebraço dela e acariciou. Ela sorriu. Ficaram em silêncio e ele foi tomando coragem para se aproximar. Se beijaram.
Acordariam na casa dele.
Quando Carlos acordou, só tinha cheiro de Melina no travesseiro e nenhuma sombra dela por perto. Ficou meio bambo e foi andando pela casa procurando algum pedaço de mulher, alguma sobra.
Tudo o que ele ainda tinha era um pedaço de papel grudado por ela na geladeira.

Quem sabe um dia ainda te pago um cinema?
O Sol nasceu meio torto, tenho quase certeza.
Talvez não seja certo sentir filetes de carne entre os dentes e pedaços de dentes na boca.
O Sol nasceu fazendo inchar.
Tenho certeza que o céu era o mais bonito de todos e o mar também.
Não gosto de escuro, mesmo. O céu parecia feito de diamante.
Já chamei as amigas pra sair.
Quem sabe não tomamos um vinho e conversamos fumando um cigarro caro e fino que não combina com nenhum de nós dois?
O mesmo cigarro por que somos dois nadas entre o céu, o Sol e o mar.
Quem sabe não nadamos e sentimos as carnes frias e sem pedaços.
Talvez lavemos a alma ao invéz de tentarmos nos machucar.
A próxima dança não deve ser lenta.
Você deve se aproximar, segurar-me pela cintura com força e sem dó.
Feito isso, vou onde você me levar, com as pernas no ritmo das suas.
Segurar pela cintura e guiar-se pelo cheiro, grave bem.
Dois nadas entre céu, Sol e mar.
Contradança sem nenhuma técnica de salão.
Filetes de carne.
Teria dado certo. Quem sabe?
O Sol já nasceu . Não tem mais escuro pra nos aquecer.
M.


Minha batata: continuar essa história, com os mesmos personagens e uma música-tema que tenha vindo de filme de comédia romântica.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Vidas Inventadas


Batata da Flora: «uma história de amor entre uma fã e um astro de cinema, em poesia.»


Ela sempre soube que seria assim:
Ao olhar aqueles olhos tão tristes
Perderia o fôlego e até a fala
Seria o fim do anonimato
Que a preservara do seu próprio fim.

Ela sempre soube que seria assim:
Ela o queria fora das telas
Longe de holofotes e de pré-estréias
À luz de velas, apenas os dois
Por um dia que fosse, ou seria o fim

O fim dos pôsteres e filmes na sala
Do templo esculpido em alabastro
Para adorar seu querido astro
Com fanático desvelo, dia após dia
Sabia que a um choque não sobreviveria.

Ela sempre soube que se chocaria
contra a parede sólida de realidade
E com um aceno, ele despedira
Todas as chances de sair das telas
Para levá-la uma noite até sua casa

Ele seguiu pelo vermelho carpete
Deixando para trás poeira e confete
E a certeza no coração da menina
Que ali, para ela, ficava a tarefa
de reinventar seu próprio destino.

.bia de barros.

Minha batata [queimando]: Poeta de rua conquista o coração de uma menina com suas rimas.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

As palavras não ditas.


Batata da Bia: Reconciliação de mãe e filha.

Nunca brigamos por motivos banais como quando vou dormir tarde ou quando fico extremamente egoísta ou possessiva com alguma coisa.
Eu sempre perco a minha identidade de vez em quando e fico tentando me achar...É justo aí que eu e ela começamos a brigar. Não é briga de tapa na cara e nem de filhas das putas,mas é uma coisa pior e mais forte, algo que me machuca e a corta ferozmente.
Sempre percebi que a culpa era minha e que no fundo eu tinha os meus motivos. Ela sabe que se estou viva e bem até hoje, foi porque ela cuidou e olhou por mim.
Percebi que quando estamos brigando,eu estou brigando comigo mesma porque estou sempre entediada.
Todos os dias fazemos aas pazes em silêncio, mesmo quando não temos nada pra desculpar.
E eu não quero machucá-la, nunca mais.
Flora V.

Minha batata: uma história de amor entre uma fã e um astro de cinema, em poseia.

domingo, 9 de novembro de 2008

Bus.

Batata da Aline: "Uma mulher jovem, bonita, engraçada e inteligente que se envolve com um cara mais velho que ela por conta de um jogo de sedução que começou como brincadeira. E uma trilha sonora de Caetano ou Cazuza."

Cazuza - O nosso amor a gente inventa


Ele parecia um modelo. Eu tinha vontade de chegar para ele e dizer: meu filho, vai ser protagonista de seriado americano, vai. E virou assim, uma paixão meio platônica. Não vou dizer que sou uma mulher jovem, bonita, engraçada e inteligente, porque eu não passo de uma garota bonita, engraçada e inteligente. E como eu me perdi completamente por um cobrador de ônibus, é a história contada aqui.

Ele não era tão mais velho assim. Devia ter 25 anos talvez? Talvez. A verdade é que nunca soube. Tudo começou numa noite, quando eu voltava da escola. Deve ter sido paixão à primeira vista, mas não tenho certeza, porque nunca senti e essa foi a única vez. Meu coração acelerou e não entrava na minha cabeça como um cara tão bonito daquele jeito podia ser cobrador de ônibus. Durante todo o caminho para casa, não consegui tirar os olhos dele, até que ele percebeu e eu tentei disfarçar.

Assim foi durante vários dias, eu olhava, e quando ele percebia, desviava. Me sentia ridícula. O que ele devia pensar de mim? Gravei os horários dele, e perdia o ônibus de propósito só para vê-lo. Depois de um tempo, ele passou a sorrir para mim. Eu não sabia se era exatamente para mim, mas preferia acreditar, e sonhar depois quando fosse dormir. Meu Deus, ele era lindo demais.

Comecei a tentar traçar estratégias para começar um diálogo. Mas eu não conseguia. Porém aquela brincadeira toda de olha-desvia-sorri estava me dando nos nervos. Chegou a um ponto em que eu precisava dele tanto, que não via nenhuma outra possibilidade na minha vida, a não ser aquele cobrador de ônibus com cara de modelo.

E, talvez por ter percebido essa minha loucura, ele veio até mim. De tantas formas que, aqui deitada ao seu lado, enquanto ele dorme com sua face colada em meu colo, chego à constatação de que realmente estou perdida.


Por Darshany L.

Minha batata: uma festa, um encontro, tequila e beijos.

domingo, 12 de outubro de 2008

O Bruxo

Batata da Flora: Uma história sobre as últimas horas de Machado de Assis (é para inventar mesmo).



O padre saiu, mas não sem dar a benção e recusar-se a dar a extrema-unção. Joaquim insistiu. Fez com que o padre voltasse. Ele sabia que cedo ou tarde iria embora desta vida sem poder publicar qualquer livro que viesse do além.
Não queria dedicar mais nada a verme nenhum. Nem queria ser comido por qualquer bicho. Mas o padre tinha que voltar e dar a unção para que Joaquim pudesse ir embora sem culpa por tantos verbos.
Quando o padre foi embora, Joaquim Maria Machado de Assis pediu que lhe deixassem sozinho no quarto. Fecharam a porta e as janelas e ele se cobriu. Respirou fundo. Sabia que ela chegaria a qualquer momento.
E ela estava ali. Cabelos mui pretos e longos, boca vermelha e pele louçã.
- Estava te esperando.
- Duvido muito, Machado.
- Estava te esperando.
- Certo. Com tanta convicção vou começar a achar que você é uma espécie de bruxo.
- Não sei. Mas tenho um último pedido antes de ir embora com você.
- O que quer?
- Xadrez.
- Competir comigo?
- Costumava ser bom.
- Eu li sua ficha. Bom em xadrez e prosa. Talvez você ainda tivesse muito a produzir.
- Se eu ganhar...
- Não vai ganhar de mim. Se sim, pode ficar mais tempo.
- Não sei se quero.
- O seu tabuleiro, onde está?
- Na estante, junto com alguns livros. Pode pegar?
- Claro. Não quero que você se esforce muito.
E os dois entraram num jogo apertado. Ela, traiçoeira e ele planejando cada nuance. Não foi fácil para ela e por um momento pensou que perderia uma das encomendas mais preciosas do além.
Mas por alguma dor que ele sentiu, desconcentrou-se e foi traído pelo próprio dom.
Xeque mate.

Minha Batata: Uma mulher jovem, bonita, engraçada e inteligente que se envolve com um cara mais velho que ela por conta de um jogo de sedução que começou como brincadeira.
E uma trilha sonora de caetano ou cazuza.
(lalalalalala)