sexta-feira, 26 de junho de 2009

Um erro

Batata da Bia: uma página solta de um diário que alguém achou, e decidiu publicar no jornal.

anna nalick - breathe

É bom a gente acabar logo com isso. Se não isso acaba com a gente. Aqueles sorrisos que um dia foram tão freqüentes estão viajando para a Europa e nos deixaram com as caras inchadas de choro.
Ando sentindo saudades de mim sem você. Principalmente de riso besta. É que eu queria mesmo alguém que lesse Baudelaire na minha cabeceira e contasse histórias de outros mundos. E eu queria muito que você entendesse.
Por que outro dia eu vi um homem na livraria e eu tinha certeza que não era você o certo. Que o bonito era alguém olhar pra mim como ele para aquele livro. O interessante é a sede que eu e esse homem teríamos de beber um ao outro. Mas foi só aquela troca de olhar às cinco da tarde, sem nenhuma conversa e o reflexo da blusa vermelha dele nas minhas bochechas. Depois um sorriso pra enfeitar os óculos.
E olhos castanhos que eu quis comer.
Eu não quereria comer ninguém se estivéssemos bem. Mas eu não sei se vou conseguir contar isso pra você longe dessas linhas de diário.
Por que aquele homem com a barba mal-feita não vai todos os dias ao sebo da Praça Central, mas eu volto procurando-o como se pudesse gostar. Eu não sei nada além do livro que ele comprou dia 5 de maio: baude-

Foi na porta do sebo que Pedro achou aquela folha pequena meio pisoteada e cheia de garranchos. Normalmente, deixaria ali. Mas era letra de mulher. Dava uma boa história. Cinco de maio não fazia tanto tempo e todos querem vender romance quando está perto do dia dos namorados.
Levou para casa. Scaniou. No trabalho, conversou com o editor. Quem sabe uma série: procura-se a autora?
O chefe disse que tinha muito mais cara de TV. Mas deixou Pedro botar a imagem das duas páginas, com Baudelaire cortado e tudo.
Indo pra casa, voltou ao sebo da Praça Central. Foi simpático com o vendedor. Folheou alguns livros. Ficou olhando pra ver se havia alguma mulher que tivesse cara de quem escreve diários. Mas nem mulher, nem diários. Ele estava sozinho.
No dia seguinte, não se falava em outra coisa no sebo. Muita gente apareceu pra ver quem era a moça que não terminava o namoro e tinha se apaixonado à primeira vista. Na redação, Pedro ficou encarregado de encontrá-la.
Ficou plantado no sebo perguntando quem podia ser. O gerente passou o cadastro de algumas clientes mais freqüentes depois de muita insistência. De Adriana a Zulmira, Pedro ligou para uma por uma. Umas nem faziam idéia do que ele estava falando. Outras desejavam boa sorte. Algumas xingavam. E nada.
Algumas não atenderam, mas ele insistiu.
E nada.
Quase 5 da tarde, ligaram pra ele.
- Pedro, tem uma Bruna querendo falar com você.
- Pode passar. Alô?
- Oi. Deixaram recado com a minha mãe. De que se trata?
- Boa tarde, Bruna.
- Boa tarde. Você é o tal do Pedro?
- Sim. Você costuma ir ao sebo da Praça Central?
- Volta e meia.
- Lê Baudelaire?
- Gosto bastante.
- Escreve diários?
- É Pedro de onde?
- D’O Dia.
- E o que você tem com o meu diário?
- Publicamos uma página de um diário de alguém que freqüenta esse sebo. Queríamos achar a autora. Fala sobre Baudelaire e fim de namoro. É seu?
- O que?
- Me desculpe, o incômodo. Apenas preciso achar a autora.
- Quem deixou você publicar?
- O que você fez dia cinco de maio?
- Não é da sua conta. Eu não quero ninguém gritando pro mundo as páginas do meu diário.
- Podemos conversar pessoalmente?
- Claro que não!
- No sebo. Às cinco da tarde.
- Pretensioso você de achar que eu vou. Ainda mais correndo.
- Por favor.
- O que você quer?
- Saber quem é você.
- Por que?
- Por que eu gosto de vermelho, não faço bem a barba, gosto de Baudelaire e tenho olhos castanhos.
- ...
- Te espero lá.
- E se eu for feia?
- Estou esperando.

E foram. Ele suado com raiva de si por tê-la feito acreditar que era ele o cara do diário. Ela ansiosa. O sebo cheio.
Ele ficou na porta com cara de jornalista e uma placa feita com folha de caderno com seu nome escrito. Ela chegou descabelada e nem viu placa nenhuma. Entrou e saiu e entrou de novo. E saiu de novo. Então ficou olhando pra cima procurando sei-lá-o-que e ele botou a mão no ombro dela.
- Está tudo bem, moça?
- Eu estou esperando um Pedro.
- Bruna?
- Oi.
Então ela olhou pra ele e ele pra ela. E ele tinha sim olhos castanhos e usava óculos como fora descrito. E ela tinha uma boca vermelha e uns olhos lustrosos. Não falaram nada.
Era ele que Bruna tinha visto no outro dia. E ele lembrava dela. Mas como é que ele ia se reconhecer num pedaço avulso de diário?
- Quer um café, Bruna?
- Eu não estou solteira. – Ela disse e foi embora

Minha batata: Continuar essa história, sem muitos clichês.

7 comentários:

Lari Bernardi disse...

Que droga!!! Vocês podiam parar de me fazer chorar??!!

Sério, chorei mesmo... amei o final, é inesperado e perfeitoo...

bia de barros disse...

Ela nunca está solteira quando deveria estar. Ela gosta de se sentir disputada, mas que droga: ela só queria que tudo fosse mais simples.

;*
[ps: eu sou clichês, amada: não tenho como seguir a estória. melhor convencer outra a descascar a batata...

Carla disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Carla disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Welker disse...

boa sorte :B

Darshany L. disse...

eu sou toda cliche, mas aceito o desafio.

em breve.

Carla disse...

adorei!