quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Coisas da paixão

Roteiro: Uma garota que vira soldado e vai para a guerra. A história deverá conter: céu estrelado, banco na praça e cartas envelhecidas com o tempo. (Amiga Darsh)






A noite fria soprava uma brisa arrepiante. Sentada no banco da praça vazia, observava as poucas estrelas que despontavam, brilhantes. Quis fazer um desejo; porém lembrou-se por um instante que não acreditava. Não acreditava. Desacreditava.

As estrelas, sempre as estrelas. Fora debaixo de uma sacada amarelada pelo tempo que observaram-nas, pela primeira vez. E passaram a observá-las sempre, a não ser que as nuvens as encobrissem. Era nelas que depositavam todo seu romantismo brega, todo seu desejo e as coisas de sua paixão. E foi num desses dias confessos de coisas da paixão que veio a notícia temida, e que mudaria o destino dos dois inesperadamente: Ele estava sendo convocado para a gurra juntamente com todo o exército de seu país. Ao abrir a carta vinda do presidente, uma lágrima rolou, e, ao dar a notícia à sua amada, várias delas formaram um oceano de saudade desesperadora.
Duas semanas depois partia ele, mochila nas costas e coturno nos pés. O frio intenso lhe deixava a face seca e seu aspecto triste deixava-a destruída por dentro. E foi em meio a esses cacos de paixão que o último beijo aconteceu antes que ele embarcasse no trem lotado. Debaixo da sacada amarelada. Sob a primeira estrela da noite.
Sentou-se no banco da praça, onde os últimos pedestres recolhiam-se a fim de evitar o vento gelado. Observou no céu as estrelas, que apareciam rapidamente. Bobagem pedir às estrelas, pensou. E fez uma prece silenciosa.
Um mês depois ainda sofria com a falta de notícias, havia visivelmente emagrecido e nunca mais observou as estrelas. Dois meses depois, a guerra continuava e o exército recrutava todos os rapazes que conseguia, tentando manter as trincheiras com um número razoável de homens. E ela, sob a luz da lamparina, tentava adivinhar como estaria seu amado naquele momento e saber se ele ainda estaria pensando nela.
Quatro meses haviam passado e nenhuma notícia de sobreviventes ou mortos. Estava prestes a tomar uma decisão que mudaria toda a sua vida: Cortou os longos cabelos, disfarçou os seios em uma camisa larga e confortável e apresentou-se na esperança de encontrar seu amado ainda entre os vivos.
Demorou quatro dias para receber a resposta do treinamento que duraria uma semana, e foi aceita. Os braços fracos esforçavam-se para superar os obstáculos do treinamento pesado, e, no fim, todos os soldados foram aceitos e embarcaram. O governo estava desesperado com o número de mortos e tentava repô-los, e qualquer coisa valia para se conquistar um território novo.
Ela estava nas trincheiras a duas semanas e procurava-o incansavelmente, sem sucesso. Procurava-o em meio às fardas iguais em todos os soldados e tinha a certeza de que ele a estaria esperando, com os braços feridos pela guerra abertos e aconchegantes. Procurava-o enquanto desviava de bombas e procurava-o enquanto ouvia o ensurdecedor barulho dos tiros vindo em sua direção. E cada rosto que via a desconcertava por não ser seu amado, quem tanto procurava.
A 21ª noite baixava sobre o campo de guerra. Ela, abaixada junto aos outros soldados, olhou para o céu e viu as estrelas. Distante dali, ele estava fraco e ferido. E olhou para o céu. E quis fazer um pedido. E o fez. E ambos lembraram do primeiro beijo e das coisas de sua paixão.
Oito meses transcorreram e ela, com dois tiros no braço e a desnutrição à flor da pele foi removida pelo exército. Descobriu-se que havia uma mulher infiltrada, logo ela. E não alcançou a meta de encontrar o amado. - Está morto, pensou. E pensou na falsidade das estrelas.
Passou sete anos pensando na perda do amado. Queria estar com ele, e teriam filhos se ele estivesse ali. Pensou em como seriam felizes, ou se talvez não estariam mais juntos. Talvez ele se apaixonasse por outra mulher, mas não! Era ela a mulher de sua vida. E nunca mais tocaria em nenhum homem.
Doze anos passados. O retrato do amado ainda na parede, e as rugas apareciam ao redor dos olhos, bem leves. E um pacote a espera na porta.
"Sinto muitas saudades. Te amo demais. Estou ferido gravemente, e não sei se sobreviverei. Queria estar com você agora, debaixo da sacada. Mande notícias, seu eterno apaixonado." A carta amarelada pelo tempo a deixou desesperada. A data, uma semana após a ida dele ao exército. Foi olhando as cartas do pacote, uma atrás da outra, ele a escrevia uma vez por semana. E elas nunca haviam chegado. E toda aquela aflição! Recomeçou então pelas cartas mais brancas. Talvez saberia a data próxima de seu falecimento, e rezaria por ele e sua alma. E seu coração disparou, e leu e releu muitas e muitas vezes. A data era de dois meses atrás, apenas! - "Meu amor, preciso de notícias suas. Ainda não esqueci de você, e desculpe a falta de frequencia nas cartas, não posso mais enviá-las todas as semanas. Estou voltando para casa logo que puder andar novamente, espero que não tenha me esquecido. Hoje as estrelas estavam lindas, dá pra ver o céu da janela do hospital. Penso em você todas as noites, Te Amo."
O coração batia forte e olhou para fora. As nuvens encobriam as estrelas. Não importa, pensou ela. As verei debaixo da sacada, numa noite limpa. Nos braços dele, nos braços dele. Mesmo sem observá-las, fez uma prece. Agradeceu. Agradeceu às estrelas por, depois de muitos anos, terem atendido ao pedido que ela nem chegou a fazer.





  • Agora, garotas. Sinto-me lisonjeada em fazer minha primeira publicação. E passo a vez: Agora é a história de uma moça dos anos 80, que quer estudar fora de sua cidade mas enfrenta o preconceito dos pais. Deverá conter: Lençóis rasgados, danceteria, notas ruins e saia plissada.
Camila Bellon

4 comentários:

Darshany L. disse...

Caraca, 12 anos! Jurava que ele tinha morrido mesmo. Me surpreendi.

;*

Anônimo disse...

Bravo! Bravíssimo!

Adicionei o seu blog ao meu favoritos.
Passa no meu depois...

T+

Fernanda Ferrão disse...

no início já tava até de cara que tu não tinhas entendido que era uma guria hehehe
curti, que sigam os desafios pq eu estou adoroando ;)

beijo

Aline Dias disse...

Aline vestida de lider de torcida grtiando "Bellon! Bellon! Bellon!"

'Dorei.